quarta-feira, 7 de novembro de 2007

De uma miserável ausência por que passámos

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O jornalista britânico Jon Savage afirma que a dinâmica da chamada música independente obedece a um movimento pendular entre os dois lados do Atlântico. Daí que a deriva yankee que marcou as últimas duas edições do Metro venha denunciar, mais uma vez, de que lado encontramos esse pêndulo. De tal forma que têm sido escassas as oportunidades de deixarmos o vasto território norte americano, tal a consecutiva emergência de nomes na área da indie pop e da indie folk...



Os quarteirões nova iorquinos que assistiram à Grande Depressão de 1929 são os mesmos que acolhem nos dias de hoje uma das mais contagiantes bandas desta cidade. Quarteto fundado por Ezra Koenig, os Vampire Weekend procuram fugir à habitual estética rock da maioria dos nomes oriundos da big apple. Ao contrário dos Interpol, The Strokes e de tantos outros, cujo imaginário nos transporta para o interior do CBGB na ida década de 70, este projecto (à semelhança dos Bishop Allen) convoca as raízes multiculturais de uma cidade que hoje se exprime numa diversidade de idiomas. As suas coordenadas encontramo-las nos álbuns de David Byrne e de Paul Simon, e na contínua utilização que estes dois autores fizeram de elementos africanos, tendo esse legado sido recuperado por Ezra Koenig. Em faixas como Cape Cod kwassa kwassa e One, a secção rítmica demarca-os dos seus pares, remetendo-nos para o afrobeat ou para os territórios de Graceland. Em The kids don't stand a chance, cumpre-se a síntese perfeita entre a elegante chamber pop de Stephen Merritt ou Neil Hannon e aquelas paragens mais remotas.



Quando instado pela imprensa norte americana a catalogar a sonoridade dos Vampire Weekend, Ezra socorre-se muitas vezes da etiqueta Upper West Side Soweto, na qual convergem dois bairros tão distantes na sua geografia como na sua natureza social. Esta aparente contradição funde-se ao longo da dezena de faixas que constitui este primeiro trabalho, e em particular na lírica de temas como Cape Cod kwassa kwassa («As a young girl / Louis Vouitton / With your mother on a summer lawn / As a sophomore / reggaeton...») que nos fazem redescobrir, vinte anos depois, as fronteiras de Graceland...



E se em apartamentos do campus universitário de Columbia se escuta avidamente Fela Kuti ou David Byrne, já em outra parte desta cidade, seguramente bem mais fria, um desconhecido a quem chamam apenas Brent, descreve em despojadas composições, instrumentais ou pontuadas por vocalizações frágeis e sumidas, o momento em que acordamos, abrimos os olhos, e obrigamos o nosso corpo a um primeiro movimento. É desta forma que as descreve, sob a assinatura Shh...This is a library. Como que se tratasse de um mero suspiro que pretende ser escutado apenas por alguns. Talvez os mesmos que adquiriram as 50 cópias deste primeiro trabalho. Cada uma delas ostentando uma diferente ilustração. Todas elas gravadas num four tracker. No quarto de Brent. Trazem consigo também uma saqueta de chá, para saborearmos a sua audição. Consegue-se estar mais próximo de quem nos escuta?

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Esta proximidade entre o remetente e o destinatário é uma das maiores forças da etiqueta indie. O despojamento, por vezes técnico, e a imediata identificação com o autor por parte do seu público devem muito ao realismo que subsiste na sua escrita e numa certa atitude de desassombro que é transversal a quase todos estes nomes. O facto de muitos partilharem a música com uma actividade profissional ou universitária confere aos seus trabalhos um carácter mundano e um realismo que se encontra latente em pequenas composições de pouco mais de três minutos.



Este é o caso de Alex Church, que acaba de editar Leaves in the river, o seu primeiro trabalho a solo após um período passado no colectivo Irving, projecto oriundo de LA do qual, ao longo do último ano, já emergiram dois nomes: Alex Church enquanto Sea Wolf e Shana Levy sob a assinatura Let's Go Sailing. Após as expectativas criadas com a edição do EP Get to the river before it runs too low, há muito que em vários blogs eram deixadas algumas pistas do que poderia incorporar este primeiro longa duração de Sea Wolf. O resultado traz-nos faixas como Middle distance runner, composição cuidada em que a interpretação de Alex nos remete para o imaginário de Sea change, ou Black leaf falls na qual o despojamento próprio da folk descobre a escrita de Alex Church. Esta aparece como uma marca singular do seu trabalho, não só por lhe imprimir um registo de storytelling, como também por conter um tom dramático e negro pontuado por arranjos de cordas, convocando o legado de Automatic for the people.



E é ainda desta mesma California que destacamos mais um projecto. Chamam-se Davyd Nereo e Ayla Nereo e apresentam-se como Beatbeat Whisper. Oriundos de Oakland, percorrem os caminhos do bluegrass e da indie folk, tendo ao longo do último ano gravado um conjunto de faixas num estúdio improvisado em sua casa. O álbum, edição de autor, chegou em já em 2007, podendo ser adquirido através do seu site ou myspace. Ao longo destes meses os Beatbeat Whisper têm assistido ao crescimento da sua base de fãs, potenciada por críticas favoráveis que podemos encontrar em inúmeros blogs e revistas da especialidade. As suas melodias chegam-nos frágeis através da voz de Ayla, entrelaçada numa teia de acordes, xilofones e banjos, em que cada verso parece-nos marcado por uma pastoral e doce melancolia...

Autoria de Pedro Sousa e Carla Lopes